FALA
Vejo tuas mãos
Falarem às minhas
Em língua perfeita
E gestos imprecisos
Minhas mãos respondem
Na imprecisão da pressa
Com medo de perder
O prazer do que resta
Mãos que os olhos
Não vêem,
Na escuridão
Não há porquê
Onde o tato
É tudo que se “lê”.
JÚBILO
Júbilo maior
Daquele que se alegra
Com o riso alheio
É efêmera a fome
Da mão
Que alimenta
Maior é o conforto
Para quem acolhe
Assim deveria
Estar a dor,
Para aquele
Que agride.
DOR 1
Amo minha dor
Ela provém de você
Se há dor
Houve amor
Se intensa
É a dor
Houve intensidade
Maior
Antes da dor.
DOR 2
Minha dor
É leve
Como um
Balão,
Flutua
Em quartos
Apertados
Cuidando
Para não
Queimar
Meu coração,
Minha paciência
É tão leve
Quanto o “balão”,
Que demora
A se apagar.
VÔO DA AVE
Quem o planar
Da ave interrompeu
Nele não depositou
O olhar,
Nem com ela
Quis voar,
Não soube
Do vôo
Não soube decolar,
Não existiu
Nem existirá
Jaz o pouso
Em terra firme,
Novamente
Outro vôo
Alçará
Somente
Quem planou
Com as asas da ave,
Da imensidão
Do céu saberá.
FEITIÇO DE ÁQUILA
Persegue o dia
Alucinada noite,
Ininterrupto ritmo
Sem trégua
Gato e rato brincam
De esconde-esconde,
A noite avança
Escoa o dia
Como feitiço de Áquila
Não se encontram,
Giram no mundo
Num jogo de dados
Nalgum momento
Esbarram-se olhares,
Breve finito
Sem lugar ao riso
Em desmedida distância
Estremece o planeta,
Na simples vibração
De um pulsar
Aflora a agonia
Sucumbe a esperança,
Os pólos opostos
Clamam por milagre
Súbito
Saciam a saudade,
Um corte num triz
Íntimos e belos
De bêbeda raiz
Num eclipse
Que em fim
Se ri.
MANDALA
Odalisca
Do meu haren,
Cravo árabe
Ardósia no olhar
E cheiro acre
Tua tatuagem
É dragão
Tua mente
É tangram,
Nas mãos
Ahimsa,
Gardênia
E jardim
Te sorvo
Em hashi,
Aia do meu iai
Mahatma
Do meu dojo
Acentuada crase
Nos seios
Damascos,
Cítrico sabor
Os lábios
São tâmaras
Ônix hair,
Negrume
No olhar
Jazes no coração
Granada
A alma Gandhi,
Prisma do meu viver
Mandala
Do meu querer.
PRETO E VERMELHO
Anjo moreno
Dos lábios vermelhos,
Voa pra longe
Com asas negras
Fuja das mágoas
Cansadas
Para qu’eu te persiga
Implorando perdão
Não te feches
Negra flor
De pétalas rubras
Pois abrir-te irei
Com mornos ósculos
Sombrios
E se mergulhares
Peixe vermelho
Em águas turvas
Serei teu resgate algoz,
Com redes e anzóis
E desejos e iras...
Então negro dragão?
Alcance os céus
Arfando no peito
Teu desejo escarlate
Mas esqueça
em minhas mãos
De plúmbeas pontas,
Teus seios em centelhas
Oh pássaro noturno
De penas negras
Da alma em chamas
Vai-te agora!
Olhos negros
Dos cachos azeviche,
Inflama teu coração.
Não voltes atrás!
Em segredo
Te acompanharei
Em dias escuros
Das noites em brasa
Oh negrume lava
Se te amo não direi,
Porém ferve em meu sangue
O mercúrio febril
Do teu atormentado
Vulcão.
AS MANHÃS
As manhãs
Despertam cedo,
Gotas de sono
Bocejam em tuas horas
Teu corpo dormido
Veste jornais,
Fala do cotidiano
Tua boca de frutas
Na calda escorpiã
Despertas o sol,
Cresce feito galhos
Que abraça e acolhe
Por ser árvore
A cada manhã.
NOVEMBRO
As pitangueiras
De novembro trazem
A infância saborosa
O pé de figo
Laranja lima
Cheiro da hortelã
Galo bravo no quintal
Cachorro preguiçoso
Cavalo manso
Capim gordura,
Som de violão
Almoço de domingo
Depois pestana
O dia de sol
A força do calor
O jogo de xadrez
Livros infantis
Os gibis
Meus heróis
A descontração
Nas risadas
Sensação de feriado
Sem fim
Cada qual numa função
Ou sem função alguma
Uma casa cheia
Por todos os cantos
É assim,
Meu pai, meu tio
Minha meninice
Quanta história
Numa única fruta,
Quantas coisas
Num único dia
Eu nem sabia
Que era novembro.
TRÊS MARIAS
Da janela
Vejo Marias,
Que me olham
E cintilam
Te namoro
Desde menino,
Me conhecem
Desde a infância
Três irmãs
Três sinais...
Da noite escura
Vejo os olhos das Marias
Onde brilham
Os olhos da menina,
Da mulher
E os meus também.
FOME
De tanta fome
Comi meus olhos,
Devorei
Meus ouvidos
Cego e surdo
Mastigador
De mim mesmo,
Não pude falar.
MUDOS
As bocas
Mudas
De corações
Mudos,
Mastigam
Mudos
O que na mesa
Há.
CADA QUAL
Quem nasceu para voar
Que voe,
Quem nasceu para andar
Que ande
Aquele que voa
Voará,
Aquele que anda
Andará
Quem possui o dom das alturas
Não anda
Quem possui o dom do solo
Não voa
O que estou a dizer?
O que sei eu
Dos pássaros
Das borboletas,
Formigas e centopéias?
MÃOS DE LUZ
Na cartola mágica,
As mãos
De luz
Acariciam
Do coelho
Os pelinhos
Em luz.