POEMAS 2011

FALA

Vejo tuas mãos
Falarem às minhas
Em língua perfeita
E gestos imprecisos

Minhas mãos respondem
Na imprecisão da pressa
Com medo de perder
O prazer do que resta

Mãos que os olhos
Não vêem,
Na escuridão
Não há porquê

Onde o tato
É tudo que se “lê”.



JÚBILO

Júbilo maior
Daquele que se alegra
Com o riso alheio

É efêmera a fome
Da mão
Que alimenta

Maior é o conforto
Para quem acolhe

Assim deveria
Estar a dor,
Para aquele
Que agride.



DOR 1

Amo minha dor
Ela provém de você

            Se há dor
            Houve amor

Se intensa
É a dor

            Houve intensidade
            Maior

Antes da dor.


           
            DOR 2

            Minha dor
            É leve
                        Como um
                        Balão,

Flutua
Em quartos
            Apertados

Cuidando
            Para não
            Queimar
Meu coração,

Minha paciência
É tão leve
            Quanto o “balão”,

Que demora
A se apagar.



                   VÔO DA AVE

Quem o planar
Da ave interrompeu
Nele não depositou
O olhar,
       Nem com ela
       Quis voar,

Não soube
Do vôo
Não soube decolar,
       Não existiu
       Nem existirá

Jaz o pouso
Em terra firme,
Novamente
       Outro vôo
       Alçará

Somente
Quem planou
Com as asas da ave,
       Da imensidão
       Do céu saberá.



                        FEITIÇO DE ÁQUILA

Persegue o dia
Alucinada noite,
            Ininterrupto ritmo
            Sem trégua

Gato e rato brincam
De esconde-esconde,
            A noite avança
            Escoa o dia

Como feitiço de Áquila
Não se encontram,
            Giram no mundo
            Num jogo de dados

Nalgum momento
Esbarram-se olhares,
            Breve finito
            Sem lugar ao riso

Em desmedida distância
Estremece o planeta,
            Na simples vibração
            De um pulsar

Aflora a agonia
Sucumbe a esperança,
            Os pólos opostos
            Clamam por milagre

Súbito
Saciam a saudade,
            Um corte num triz
            Íntimos e belos

De bêbeda raiz
Num eclipse
            Que em fim
            Se ri.



                                                           MANDALA

Odalisca
Do meu haren,
Cravo árabe
            Ardósia no olhar
            E cheiro acre

Tua tatuagem
É dragão
Tua mente
É tangram,
            Nas mãos
            Ahimsa,
            Gardênia
            E jardim

Te sorvo
Em hashi,
            Aia do meu iai
Mahatma
Do meu dojo

Acentuada crase
Nos seios
            Damascos,
            Cítrico sabor

Os lábios
São tâmaras
            Ônix hair,
Negrume
            No olhar

Jazes no coração
Granada
            A alma Gandhi,
Prisma do meu viver
            Mandala
            Do meu querer.



PRETO E VERMELHO

Anjo moreno
Dos lábios vermelhos,
Voa pra longe
Com asas negras

Fuja das mágoas
Cansadas
Para qu’eu te persiga
Implorando perdão

Não te feches
Negra flor
De pétalas rubras

Pois abrir-te irei
Com mornos ósculos
Sombrios

E se mergulhares
Peixe vermelho
Em águas turvas

Serei teu resgate algoz,
Com redes e anzóis
E desejos e iras...

Então negro dragão?

Alcance os céus
Arfando no peito
Teu desejo escarlate

Mas esqueça
em minhas mãos
De plúmbeas pontas,
Teus seios em centelhas

Oh pássaro noturno
De penas negras
Da alma em chamas

Vai-te agora!

Olhos negros
Dos cachos azeviche,
Inflama teu coração.

Não voltes atrás!

Em segredo
Te acompanharei
Em dias escuros
Das noites em brasa

Oh negrume lava
Se te amo não direi,
Porém ferve em meu sangue
O mercúrio febril
Do teu atormentado
Vulcão.



AS MANHÃS

As manhãs
Despertam cedo,
Gotas de sono
Bocejam em tuas horas

            Teu corpo dormido
            Veste jornais,
            Fala do cotidiano
            Tua boca de frutas

                        Na calda escorpiã
                        Despertas o sol,
                        Cresce feito galhos
                        Que abraça e acolhe
                        Por ser árvore
                        A cada manhã.



NOVEMBRO

As pitangueiras
De novembro trazem
A infância saborosa

            O pé de figo
            Laranja lima
            Cheiro da hortelã
            Galo bravo no quintal

Cachorro preguiçoso
Cavalo manso
Capim gordura,

            Som de violão
            Almoço de domingo
            Depois pestana

O dia de sol
A força do calor
O jogo de xadrez

            Livros infantis
            Os gibis
            Meus heróis

A descontração
Nas risadas
Sensação de feriado
Sem fim

            Cada qual numa função
            Ou sem função alguma
            Uma casa cheia

Por todos os cantos
É assim,
Meu pai, meu tio
Minha meninice

            Quanta história
            Numa única fruta,
            Quantas coisas
            Num único dia

Eu nem sabia
Que era novembro.


TRÊS MARIAS

Da janela
Vejo Marias,
Que me olham
E cintilam

            Te namoro
            Desde menino,
            Me conhecem
            Desde a infância

Três irmãs
Três sinais...
Da noite escura
Vejo os olhos das Marias

            Onde brilham
            Os olhos da menina,
            Da mulher
            E os meus também.



FOME

De tanta fome
Comi meus olhos,
              Devorei
              Meus ouvidos

Cego e surdo
Mastigador
              De mim mesmo,
              Não pude falar.

           

MUDOS

As bocas
Mudas
       De corações
       Mudos,

Mastigam
Mudos
       O que na mesa
       Há.


CADA QUAL

Quem nasceu para voar
                        Que voe,
Quem nasceu para andar
                        Que ande

Aquele que voa
                        Voará,
Aquele que anda
                        Andará

Quem possui o dom das alturas
                        Não anda
Quem possui o dom do solo
                        Não voa

O que estou a dizer?
O que sei eu
                        Dos pássaros
                        Das borboletas,
                        Formigas e centopéias?

           

MÃOS DE LUZ

Na cartola mágica,
                   As mãos
                   De luz

Acariciam
Do coelho
                   Os pelinhos
Em luz.